Exposição reúne 300 obras que remetem ao universo da premiada ceramista mineira, que moldou o barro de forma inovadora e criou as famosas bonecas-moringa
O Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB) e o Sebrae Minas abriram ao público, nesta quarta-feira (21/8), a exposição que homenageia uma das mais notáveis artistas populares do Brasil: a mestra artesã dona Izabel Mendes da Cunha. “Dona Izabel: 100 anos da Mestra do Vale do Jequitinhonha” celebra o centenário de nascimento da premiada ceramista mineira, conhecida como a Dama do Barro do Jequitinhonha e criadora das famosas bonecas-moringa.
A exposição, que ocupa oito salas do CRAB, oferece um mergulho profundo no legado de Dona Izabel, cuja obra transcendeu fronteiras regionais e conquistou reconhecimento nacional e internacional. São 300 obras produzidas pela artesã e por alguns de seus familiares artesãos e discípulos que deram continuidade ao seu legado.
“Falar de Dona Izabel em seu centenário de nascimento é reconhecer a trajetória de uma artista que extrapola os limites de seu território, o município de Santana do Araçuaí (MG), e se lança por um extenso vale mineiro, de onde transborda para o Brasil e o mundo. Dona Izabel escreveu uma linda história sobre o artesanato e a arte da cerâmica no Brasil e nos deixou um legado único”, explica Ricardo Lima, curador da exposição.
A iniciativa é uma realização do CRAB Sebrae em parceria com o Sebrae Minas e tem o apoio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (SEDE) do Governo de Minas Gerais, por meio da Diretoria de Artesanato. Mais de 100 convidados presenciaram a abertura da exposição, no Centro do Rio de Janeiro. Houve apresentação musical do grupo Ribeirão de Areia, de Jenipapo de Minas, cujas canções executadas remetem ao cenário típico do Vale do Jequitinhonha, Filha de Dona Izabel, Glória Andrade e a neta Andréia foram homenageadas na cerimônia e falaram sobre o legado da Mestre Artesã.
Uma das presenças ilustres no evento foi da atriz Mareta Severo, admiradora da arte do Vale do Jequitinhonha e colecionadora das famosas bonecas feitas pela Mestre Artesã. Uma de suas obras da atriz foi cedida à mostra para ser exposta nos próximos meses. “É deslumbrante, é merecidíssima uma exposição dessas. Dona Izabel já foi muito valorizada em vida, mas não há consagração suficiente para ilustrar todo o legado que ela construiu. Desde sempre, sou muito próxima às obras dela, dos filhos e netos. Ela me tocou, me sensibilizou e me emocionou. As peças estão todas em minha casa, pois eu me ‘alimento delas’. Nunca consegui ir ao Vale, pois sempre trabalhei muito, tive três filhos e marido, mas agora tenho a promessa comigo mesma de ir lá para ver todo esse trabalho fascinante”, afirma Marieta.
O vice-governador de Minas Gerais, Mateus Simões, anunciou na cerimônia que Dona Izabel receberá em setembro a Medalha Juscelino Kubistchek, dada a personalidades que contribuem para a política, o judiciário, a comunicação e as áreas econômica e cultural de Minas e do Brasil. “Fizemos questão de formalizar a indicação de Dona Izabel por seu centenário, uma homenagem póstuma para que ela receba a medalha. Desta forma, a gente continua valorizando aqueles que continua escrevendo a história de Minas Gerais de forma brilhante. Valorizar nosso povo mineiro é sempre importante e vale a pena”.
O superintendente do Sebrae Minas, Afonso Maria Rocha, destacou a importância da exposição e o propósito do Sebrae Minas de apoiar o empreendedorismo e os pequenos negócios da atividade, com o objetivo de gerar renda para as pessoas. “O artesanato do Vale do Jequitinhonha, com o passar dos anos, vem se desenvolvendo muito sem perder a originalidade. Conseguimos trabalhar a qualidade do produto sem perder suas características originais. Trazer essa homenagem à Dona Izabel aqui no CRAB é uma maneira de destacarmos toda essa importância dela como exemplo e ícone para todos os artesãos locais. O Sebrae Minas trabalha a atividade preservando a riqueza do Jequitinhonha, mas que isso também serve como elemento forte para a geração de riqueza”, afirma.
O universo da mestra artesã
Natural de Córrego Novo, uma pequena comunidade rural próxima a Itinga, no interior de Minas Gerais, Dona Izabel nasceu em 3 de agosto de 1924. Ela descobriu o universo do barro ainda criança, observando sua mãe, uma “paneleira”, criar utensílios domésticos com a matéria-prima abundante na região.
O Vale do Jequitinhonha, cenário das criações de Dona Izabel, é uma área no nordeste de Minas Gerais conhecida tanto por suas belezas naturais quanto pelas dificuldades socioeconômicas de sua população. A arte popular naquela região surgiu como uma forma de resistência e sobrevivência, com as mulheres do Vale assumindo papéis centrais na produção artesanal. Dona Izabel, com suas inovadoras moringas-boneca, foi uma figura central neste contexto, transformando objetos utilitários em verdadeiras esculturas.
A oficina de Dona Izabel, anexa à sua casa em Santana do Araçuaí, no Médio Vale do Jequitinhonha (MG), para onde se mudou ainda jovem, era um espaço de simplicidade e criatividade. Utilizando ferramentas rudimentares, como sabugos de milho, pedaços de coité e pigmentos minerais que ela mesma preparava, Dona Izabel deu vida a suas criações, a maioria utensílios de uso diário.
A década de 1970 marcou uma virada na carreira da artista, quando ela começou a criar as famosas grandes bonecas. Originalmente projetadas para conter água, essas peças evoluíram para esculturas de um metro ou mais, tornando-se símbolos de sua arte e da cultura do Vale. Ela faleceu em 2014, aos 90 anos.
O reconhecimento do trabalho de Dona Izabel veio por meio de prêmios importantes, como o Prêmio Unesco de Artesanato Popular para a América Latina e Caribe, a Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura do Brasil e o Prêmio Culturas Populares do MinC. Em 2016, sua obra foi celebrada com uma série especial de selos postais emitida pelos Correios.
Fotos:
Crédito: CRAB/Divulgação
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